Um
maestro me disse que o meu ouvido era perfeito. Não levei muito
a sério. Um dia descobri que os grilos faziam um concerto em
si bemol debaixo de minha janela. Escrevi o concerto na pauta e arrumei
um gorjeio para o sabiá do vizinho. O maestro leu espantado a
partitura e me nomeou afinador de instrumentos da orquestra. Ia tudo
muito bem, até o dia que recusei usar fraque num concerto de
gala. Larguei o emprego e, hoje, na falta do que fazer, vivo pondo na
partitura a modulação das vozes das pessoas: o prefeito
discursa em ré maior, o padre faz sermão em dó;
o juiz condena os homicidas em lá maior; a vizinha geme de gozo
em mi menor, assim por diante. Ah, eu estou contando essas coisas em
dó maior. É o meu tom.
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Não,
não foi Ofélia, biruta e bela, que pousou no meu espelho,
vinda de um verão antigo trazendo orvalho e nuvens deste inverno!
Foi este poema que pousou na mesa bordado no lenço de Madame Bovary e que não posso escrevê-lo com meu toco de lápis, no vidro da janela escancarada para a noite. Era manhã cheirando a gardênia. Era outubro, não sei, sabia das bromélias que plantavas no céu e dos nardos morando em teu alpendre. Era noite,
não sei, e fiz o meu testamento, e te impus este legado de
bem-querer e dez alqueires de afeto, desde que sejas guardiã
e curadora de todas as Ofélias que nasçam nas noites
antigas e que venham morar nestas noites em que fico embalando insônias
e pequenos delírios! |
Para Júlia
Batizei
o reino da infância com o nome das coisas:
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Paulo Celso (de Carvalho) Pucciarelli é formado em Direito pela USP, mora em Mococa, São Paulo, onde nasceu e onde exerce a profissão de advogado. Escreve pra compreender os limites do seu quintal, entre abacateiros e bananeiras. Colabora com alguns sites da net.