DE COMO LIDAR COM
RIO
Represar um rio é
impossível.
O rio insulta a barragem.
Se sustém uma folha
calma de lago,
amplia suas pernas de Heráclito.
Veloz, recortará
efígies das escarpas
e nas curvas fará ondas de
mar.
.
Mas se segue da
nascente à foz,
na outra margem é que está a flor.
Não é pisando em
peixes
que conseguiremos atravessá-lo.
Largo, pinguela nele
não cabe,
ponte não nos dará conhecê-lo.
.
Não seria sábio
auscultar
o diário vaivém dos pássaros?
Com os braços dar
forma
ao nosso sonho de asas?
De dentro domá-lo
para sempre
com um simples remo?
CANTIGA DA TARDE
CLARA
Ana vem pela
estrada.
O vestido é uma palmeira.
Venta.
Pó gruda no
calcanhar.
Cãozinho dá de latir.
Preto.
Da casa sai o
noivo.
Dedo fisgado de anzol.
Ponte.
Correm os
tamanquinhos.
O noivo sorri com mãos.
Salto.
Movem-se os
lençóis.
O vento dobra o mar.
Tato.
PROMETEU
Agrada-me o chegar
perto do fogo,
no tão próximo onde se desfazem
as
certezas, amo o gesto e o risco,
a aventura do fogo, e tanto
mais
se for para roubá-lo de Zeus pai.
PORTA
(sobre fotografia de Fabiana
Majola)
porta,
para onde
abres?
o que trazes
por trás do teu perfume?
que
vermelho te habita?
que chuvas lamberam
os pés de tuas
tábuas?
que mãos amaciaram
tua dura maçaneta?
quem
imaginou
tua ríspida simetria?
quem te
olha
como auscultando?
quem te fotografa
como
pedindo
que te abras?
que setas
te delimitam?
qual
verde
te escala?
porta,
és como uma
boca:
fala!