Viúva
da seiva,
saúva saraiva
se deita
na relva nua,
úmida,
alucinada
pelas gotas da chuva.
Com algumas gotas
de açúcar
sobre as ancas,
avança
águas, devagar,
com vigor nas patas,
tropeçando mancas.
Mandíbula
curva,
rói um ramo,
saliva
a grama.
Vaga por aí.
Sempre ao aroma
as presas criva.
Órfão
do orvalho,
escaravelho zarolho
se espalha
à luz do ar
no assoalho,
azucrinado
entre o mato e a selva.
Nos galhos do
mato,
resvala
o dorso
e não voa.
Zanza acima
do caule, cai,
se lasca no cascalho.
Resfolega trôpego,
porém se agarra
num raio
de capim.
No pasto, recarrega
os óculos, faz,
enfim, repouso.
Filha da folha,
lagarta tabaroa
se larga
à toa,
lerda,
atabalhoada,
pelas telhas ao sol.
Na quilha da
telha
percorre o solo,
a lhe
doer
calor nas costas,
porque procura
sombra nas calhas.
Escolhe a melhor,
onde sabe
a sereno,
ali cuida do ser.
Só noite cheia
sobe a boca
por cima do terreno.
Neta do néctar,
enguia elétrica
se estica
em estado
de choque
acachapada
entre faíscas e fios.
Na quina faísca,
pisa parede
e meia.
Meia hora
do chão ao teto
dura o circuito
no qual se arrisca.
Descarrega a
tensão
negativa
e vibra
fator positivo.
Dia sim, dia não,
põe os pés na
água e se equilibra.
Economia de zonas
ao contato do que arde
é arte de leopardo:
ter menos partes na pele que o sol bate,
distribuir-se
lugares de sombra quando a tarde age
sobre a carne
como um sabre ou uma febre:
depois de queimar
as patas, alcançar descanso
de brisa e oásis
apraz aos gatos desta raça.
Poemas do livro Microafetos (inédito, sem editora)
Lagarto leva
o dia
tatuado nas costas,
roupa cor da pele.
Tem estilo versátil
durante a tarde toda:
réptil não se repete.
Logo ao sol que
esquenta,
as vestes mais não mexe,
fica atrás da folhagem.
Mudo, quieto
e terrestre,
passa para quem o vê
por parente ser das plantas.
Camuflado de
grama
carcomida de escamas,
é parte da paisagem.
Devagar sai da
sombra
para perto da água
se sede tem de onda.
Se mestre se
quer
de uma língua contrátil,
finge fome ágil,
fisga num visgo
insetos sem aviso.
Se alimenta de antenas.
Fixa o olho no
céu,
comanda o desenho
imprevisto das nuvens
através
do deserto,
dirige quando a noite vem
se deitar sobre as pedras,
escorrega nas
trevas
(carregado de cores)
para dentro da terra,
onde é
guarnecido,
aninhada na cauda
a manhã inicia:
lagarto tem o dia.